Em 2014 soube que objectos ilícitos apreendidos em investigações e que constituem elementos de prova desaparecem dos tribunais. Tomei conhecimento desse facto no julgamento do Nito Alves quando era acusado de ofender o presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Por Sedrick de Carvalho
O Ministério Público dizia que as palavras timbradas em certas camisolas eram ultrajantes e caluniosas ao presidente da República. E quais eram as camisolas? Não estavam no tribunal.
O advogado do jovem activista era David Mendes, que lamentou a ausência das camisolas que eram o mote da acusação. Eu estava no tribunal na qualidade de repórter, e achei gravíssimo a não apresentação das camisolas.
Inquieto, perguntei ao causídico o que achava da ausência das provas que constituíam a acusação, e em resposta revelou que até drogas e diamantes roubados, objectos de processos judiciais, desaparecem das salas de provas dos tribunais. Simplesmente! Como é possível? É possível. E é assim que indivíduos passam incólumes em tribunais, pois são os próprios tribunais – juízes, procuradores e demais funcionários – que tratam de fazer sumir as provas ali levadas.
Em 2012, o Folha 8 publicou um artigo onde apontava que certo juiz do Tribunal Provincial de Luanda, Sala de Família, sentenciara um senhor a ser descontado mais de 50 por cento do seu salário a favor da ex-esposa que fez a queixa. E a decisão já estava a ser executada. Depois descobriu-se que, afinal, a senhora era amante do juiz. Neste caso, percebe-se o roubo judicial, ou seja, o juiz dá à amante mensalmente metade do salário do ex-marido e, assim, não tem mais a “obrigação” de dar à senhora aquela mesada típica nesses relacionamentos furtivos.
Duas semanas passadas desde a publicação do artigo, o juiz pacientemente subiu as escadas até o 5.º andar do edifício onde estava a redacção do jornal. Perguntou por mim e uma colega chamou-me. Tranquilamente, como se estivesse a presidir uma sessão de julgamento, ameaçou-me com um processo judicial por difamação e calúnia.
E eu, também tranquilamente, disse-lhe que tinha cumprido com o requisito básico e importante em jornalismo de contactar o visado para o devido contraditório. O meritíssimo não se encontrava em Angola e, obviamente, a denúncia não aguardaria pelo seu retorno, que até nem se sabia quando aconteceria. O juiz, que supostamente já fora jornalista, admitiu que eu estava certo e assim mudou a postura.
“Não te preocupes, não irei fazer nada. Mas diga ao senhor [nome ocultado] para se preparar porque o processo ainda não terminou e pode ficar sem nada”, intimidou. Com o seu fato castanho desajustado ao corpo foi embora, tranquilo e indiferente ao roubo judicial que protagonizava. A vítima continuou a debater-se com a necessidade de dinheiro para custear as despesas médicas da idosa mãe.
Quando fomos detidos – 15 presos políticos -, também foram apreendidos vários bens materiais, a maioria retirados ilegalmente das nossas residências. Quase dois anos se passam e alguns destes materiais ainda não foram devolvidos.
Com muita insistência, o juiz Januário Domingos (melhor, o chefe dele) autorizou que nos entregassem as coisas, e lá fomos ao tribunal buscá-las. Quando tivemos contacto com os objectos percebemos que a maioria estava em falta, e eram as coisas mais importantes. Decidi não levar nada.
No dia 26 de Outubro de 2016 levei uma carta ao director do Serviço de Investigação Criminal (SIC), Eugénio Alexandre, a reclamar pelos meus bens apreendidos, pois os funcionários do tribunal alegavam que era aquele órgão o responsável, ou seja, o SIC é quem havia roubado as coisas. Nunca obtive resposta.
Entretanto, percebi que, se o SIC nos roubara – acção comum -, então não era o único a roubar. Para além de roubarem os meus cartões do banco, placa de internet e disco-duro externo, um casaco também fora roubado, mas este com certeza pelo tribunal, porque em certa ocasião vi-o na sala das provas da 14.ª secção. Estava ali, mas quando decidi levar as coisas disponíveis, desapareceu, e com ele outros bens referidos acima foram roubados judicialmente.
O Estado está completamente degradado. A podridão corroeu todo o poder Judicial, já bastante emporcalhado com o Governo, e com essa concupiscência degredaram o poder Legislativo – não pode fiscalizar o Executivo – e silenciaram toda a esperança do povo. Não há o mínimo de confiança num sistema judicial gatuno. Empresários honestos – poucos mas existentes – não têm garantias de sucesso caso levem a julgamento devedores, e o Executivo deve imenso os empresários.
Tal como não duvidamos de que o Governo descaradamente rouba, também temos a certeza jurídica de que somos roubados judicialmente.